sábado, 2 de maio de 2009

A cor do Céu

De manhãzinha, neste que há de ser um radioso sábado de maio, já será possível encontrar-se um mar de camisas azuis flutuando pela Felipe Schmidt e por todo o centro histórico.

Os vivos sairão de suas casas, os mortos de suas tumbas – como se Floripa houvesse se transformado numa Antares intemporal, em cujas praças se reunissem os vivos e os mortos, convocados para o grande duelo da Ressacada.

E poderemos ver alvi-celestes eternos trajados com o manto de sua paixão – os Cavallazzi, os Lange, os Bastos (parte da família, mezzo a mezzo alvinegra e azurra), os Ramos, os Oliveiras, os Amorins, os Bonassis, os Zunino, os Menezes, os Rosa, os Camilli – mais os espectros do Loló, do Saulzinho e do Nizeta.

Aos 8 anos, em 1956, o escriba já era um avaiano de calças curtas, convicto, embora deserdado de títulos. O azul e branco conquistara o tetracampeonato em 1945, quando este torcedor não era sequer um “projeto de gente”. Depois daqueles anos azuis, o clube amargaria a dantesca escassez de 28 anos de vacas magras, ressurgindo em 1973, com Rogério, Zenon, Balduíno, Toninho e Juti, ainda no saudoso “Pasto do Bode”.

Amigo fraterno de meu pai, Ivo Montenegro – que fora, como se dizia, “centerfór” alvinegro – tentara seduzir o moleque com um uniforme completo do Figueira, numa época em que essas facilidades não contavam com grifes prêt-a-porter, nem com o atual marketing das camisetas de clube. O conjunto tinha que ser confeccionado em ponto menor, pela mão de uma costureira. Resisti às tentações, permaneci “azul”.

Ultimamente, é preciso admitir, a felicidade tem comparecido à Ressacada com uma frequência francamente obscena – o histórico acesso à Série A, a classificação à Copa do Brasil, a perspectiva do campeonato estadual.

Os louros e os méritos esportivos teimam em preferir a Ilha e ignorar a ponte. Quero acreditar que a “renda per capita” de felicidade esportiva há de permanecer do lado de cá da ponte – ou será que o Todo-Poderoso, morando no Azul Infinito, planeja abandonar o Seu povo?

Não creio. Creio, sim, na ressurreição da carne e dos nossos campeonatos, estacionados lá em 1998. Meu credo vai além. Bem medida a meritocracia do campeonato, a simpática Chapecoense sabe que suas conquistas já chegaram ao ápice, seus chutes já acertaram todos os “ângulos”. Desejamos à respeitável – e eu até diria, pelo retrospecto, “temível” – equipe alvi-verde, uma feliz disputa da Copa do Brasil de 2010 e da Série C. De coração.

O torcedor azurra, como todo brasileiro, é um místico. Ninguém dispensa Deus, nem os santos, nem as medalhinhas de pescoço, nem as efígies de Nossa Senhora, com seu manto declaradamente azul.

Será dramático, será sofrido. O torcedor azul já sabe que, com o ingresso, comprou o sofrimento, a ser recompensado pela glória – pois o Céu está conosco. É só sair à rua e olhar a sua cor.

SÉRGIO DA COSTA RAMOS

Texto retirado de: http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a2495969.xml&template=3916.dwt&edition=12228§ion=1328

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